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Participação nos lucros no contexto das Organizações de Sociedade Civil: Alterações no cenário normativo decorrente da Lei nº 14.020/2020”, de Janaina Rodrigues Pereira e Kildare Araújo Meira, Advogados e Sócios na Covac Sociedade de Advogados
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- Criado em 05/01/2021
- Janaina Rodrigues Pereira e Kildare Araújo Meira
Essa banca sempre ponderou a necessidade de distinguir a Participação nos Lucros e Resultados (PLR) de outras “políticas de recompensa” por desempenho funcional. A Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT) evidencia a diferença de natureza jurídica entre esses institutos, prevendo a existência do “prêmio” e da “PLR”. O PRÊMIO é uma forma de incentivo em bens ou serviço, eventualmente concedidos em programas de incentivos, conforme disposto no art. 611-A, XIV, veja:
Art. 611-A. A convenção coletiva e o acordo coletivo de trabalho têm prevalência sobre a lei quando, entre outros, dispuserem sobre:
(...)
XIV - prêmios de incentivo em bens ou serviços, eventualmente concedidos em programas de incentivo;
Em outra oportunidade, a CLT faz referência ao pagamento de “prêmio” no art. 457, na qual conceitua e define que o pagamento não integra a remuneração do empregado, veja:
Art. 457 - Compreendem-se na remuneração do empregado, para todos os efeitos legais, além do salário devido e pago diretamente pelo empregador, como contraprestação do serviço, as gorjetas que receber.
(...)
§ 2º As importâncias, ainda que habituais, pagas a título de ajuda de custo, auxílio-alimentação, vedado seu pagamento em dinheiro, diárias para viagem, prêmios e abonos não integram a remuneração do empregado, não se incorporam ao contrato de trabalho e não constituem base de incidência de qualquer encargo trabalhista e previdenciário.
(...)
§ 4º Consideram-se prêmios as liberalidades concedidas pelo empregador em forma de bens, serviços ou valor em dinheiro a empregado ou a grupo de empregados, em razão de desempenho superior ao ordinariamente esperado no exercício de suas atividades.
Portanto, depreende-se que o arcabouço legal já dava garantia à prática da premiação quando atrelada ao desempenho extraordinário, sem que isso fosse considerado participação no lucro, pois trata-se de política de incentivo de gestão de pessoas que valorizam os trabalhadores do 3º Setor, colocando-os em situação de isonomia com as demais organizações do setor privado.
Esse cenário, que ainda era considerado como inseguro para alguns atores do setor, começa a ganhar novos contornos advindo da alteração da Lei nº 10.101/2009, por meio Lei nº 14.020/2020. Originariamente a Lei nº 10.101/2009 dispunha que entidades sem fins lucrativos não estavam equiparadas a empresas para fins de PLR, situação que experimentou uma tentativa de mudança com a MP nº 905/2019, mas que teve a vigência encerrada em 18/08/2020.
A recente alteração em novembro de 2020 introduzida pela Lei nº 14.020/2020 possibilita a remuneração variável quando pautada em índices de produtividade ou qualidade ou programas de metas, resultados e prazos:
Art. 2º A participação nos lucros ou resultados será objeto de negociação entre a empresa e seus empregados, mediante um dos procedimentos a seguir descritos, escolhidos pelas partes de comum acordo:
[...]
§ 3º Não se equipara a empresa, para os fins desta Lei:
I - a pessoa física;
II - a entidade sem fins lucrativos que, cumulativamente:
a) não distribua resultados, a qualquer título, ainda que indiretamente, a dirigentes, administradores ou empresas vinculadas;
b) aplique integralmente os seus recursos em sua atividade institucional e no País;
c) destine o seu patrimônio a entidade congênere ou ao poder público, em caso de encerramento de suas atividades;
d) mantenha escrituração contábil capaz de comprovar a observância dos demais requisitos deste inciso, e das normas fiscais, comerciais e de direito econômico que lhe sejam aplicáveis.
[...]
§ 3º-A. A não equiparação de que trata o inciso II do § 3º deste artigo não é aplicável às hipóteses em que tenham sido utilizados índices de produtividade ou qualidade ou programas de metas, resultados e prazos. (Incluído pela Lei nº 14.020, de 2020)
Resumidamente, para a operacionalização da concessão, as partes envolvidas (entidade e empregados), podem, nos termos da Lei nº 10.101/2009:
I – adotar os procedimentos de negociação estabelecidos nos incisos I e II do artigo 2º da Lei nº 10.101/2002 (comissão paritária /convenção ou acordo), simultaneamente; e estabelecer múltiplos programas de remuneração variável, observada a periodicidade prevista em lei;
Ainda, é importante a adoção de regras claras e objetivas quanto à fixação dos direitos substantivos para a participação e das regras adjetivas, inclusive mecanismos de aferição das informações pertinentes ao cumprimento do acordado, periodicidade da distribuição, período de vigência e prazos para revisão do acordo;
A observância de todas as regras fixadas na normativa, especificamente, em relação ao pagamento atrelado aos índices de produtividade ou qualidade ou programas de metas, resultados e prazos, é de observância obrigatória para afastar representação dos órgãos de controle, sob a alegação de ter a entidade distribuído patrimônio.
Recebemos a alteração normativa como um sinal de grande avanço a respeitos aos princípios constitucionais da igualdade perante a lei e da não-discriminação nas relações laborais.
Essas são as nossas contribuições ao debate.
Janaina Rodrigues Pereira e Kildare Araújo Meira. Advogados e Sócios na Covac Sociedade de Advogados, com atuação em soluções para o Terceiro Setor e Educacional.