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Novo modelo de planejamento urbano propõe que maior parte do orçamento de São Paulo seja destinada aos bairros que mais precisam

not 07 10 2020 1

Índice de (Re)distribuição Territorial do Orçamento Público Municipal fixa critérios técnicos para a distribuição territorial da despesa no Plano Plurianual e nas Leis Orçamentárias Anuais

Proposta é calculada a partir de diversos aspectos da vulnerabilidade social e do déficit de infraestrutura que afetam as diferentes regiões da capital paulista

Segundo o estudo, dos R$ 11,59 bi que estarão disponíveis para novos investimentos nos próximos quatro anos, M’Boi Mirim receberia quase 20 vezes o aporte feito em Pinheiros

A Fundação Tide Setubal e a Rede Nossa São Paulo (RNSP) acabam de lançar o Índice de (Re)distribuição Territorial do Orçamento Público Municipal, propõe novo modelo de planejamento para a cidade de São Paulo no qual as subprefeituras com menos investimentos e com déficit de infraestrutura urbana recebam maior parte do orçamento municipal, em oposição a outras regiões mais desenvolvidas da capital.

Fatores como infraestrutura urbana (coleta de esgoto, quantidade de domicílios em favelas e tempo de deslocamento casa-trabalho), vulnerabilidade social (Índice Paulista de Vulnerabilidade Social, homicídios e acidentes), geografia e demografia de cada região são considerados na hora de estabelecer quanto da despesa estabelecida no Plano Plurianual e nas Leis Orçamentárias Anuais será direcionado a cada bairro.

Segundo a estimativa produzida pelas instituições que assinam o projeto, a cidade de São Paulo terá R$ 11,59 bilhões disponíveis para novos investimentos nos próximos quatro anos. A subprefeitura de Cidade Tiradentes, no Extremo-Leste, receberia três vezes o aporte aplicado no distrito de Vila Mariana, na Zona Sul, com destinação de mais de R$ 290 milhões para a primeira e R$ 96 milhões para o segundo.

Outro exemplo, a subprefeitura do M’Boi Mirim, na Zona Sul, receberia quase 20 vezes o aporte realizado em Pinheiros, com mais de R$ 1 bi para o primeiro e R$ 55,6 mi para o bairro da Zona Oeste. De acordo com o mesmo Mapa, 56% da população é preta e parda naquele distrito, enquanto apenas 11% neste. As duas regiões representam o topo e a base do ranqueamento aferido pelo Índice.

O Mapa da Desigualdade, produzido anualmente pela Rede Nossa São Paulo, traz indicadores que revelam o fosso existente entre distritos mais ricos e urbanizados do município e os mais pobres e precários. Para exemplificar, a idade média ao morrer dos moradores de Moema — bairro localizado na subprefeitura Vila Mariana — é 23 anos mais alta que a dos moradores de Cidade Tiradentes que faleceram em 2018.

A proposta do Índice integra a segunda etapa do projeto (Re)age SP — Virando o jogo das desigualdades na cidade —, lançado em agosto de 2020, como um convite à sociedade civil e à classe política paulistana para o compromisso com uma agenda de futuro para a cidade, alinhada aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável e capaz de reduzir as desigualdades na cidade até 2030. A iniciativa traçou 50 metas concretas para as diversas áreas de política pública, baseadas em indicadores e nos objetivos estabelecidos nos planos setoriais já existentes em São Paulo.

Segundo Pedro Marin, integrante da coordenação executiva do projeto, o novo Índice representa um dos caminhos a serem perseguidos. “Para avançar no cumprimento desses objetivos e garantir que as políticas públicas levem à melhoria da qualidade de vida nas regiões mais vulneráveis, a Prefeitura de São Paulo precisa melhorar a sua capacidade de planejamento e execução, promovendo a integração dos sistemas de planejamento urbano, setorial e orçamentário. O Índice de (Re)distribuição é um instrumento palpável para isso”, sugere Marin, que também é coordenador do programa de Orçamento Público, Transparência e Planejamento da Fundação Tide Setubal.

A tese central da iniciativa é que todo planejamento setorial representa um processo de priorização e, muitas vezes, as escolhas acontecem de maneira independente entre as áreas do governo, cada uma decidindo com base na sua própria disponibilidade orçamentária e estratégia de ação setorial. Nesse cenário, o território — onde as desigualdades são sentidas — não aparece como articulador das ações, perdendo-se o potencial que a sinergia local teria de garantir melhores resultados.

“Ou seja, investimentos de infraestrutura, novos equipamentos sociais e ampliação de serviços urbanos poderiam criar um reforço positivo entre si, se fossem realizados de modo coordenado e planejado, mas acabam sendo mais custosos e menos efetivos justamente porque são feitos sem essa articulação”, explica Carolina Guimarães, integrante da coordenação-executiva do (Re)age SP e coordenadora da RNSP.

Para que o Índice seja implementado em São Paulo, o marco legal do planejamento orçamentário da cidade deve ser alterado, a fim de que cada Plano Plurianual vincule a distribuição dos investimentos e a expansão dos serviços públicos nos territórios, de acordo com a aplicação do Índice. Segundo a proposta, a prefeitura deverá prestar contas anualmente sobre o cumprimento dessa regra, e o índice precisará ser recalculado a cada novo ciclo de planejamento.

A classificação orçamentária dos gastos públicos é padronizada nacionalmente pela Secretaria do Tesouro Nacional e tem vários critérios: funcional, que diz à qual área de política pública o gasto está direcionado; e econômico, correspondente a como o dinheiro está sendo aplicado (pessoal e custeio, por exemplo). A transparência da Prefeitura de São Paulo sobre esses dados é bastante completa, mas, considerando o aspecto territorial, a transparência é insuficiente.

Levantamento anterior realizado pela Fundação Tide Setubal demonstrava que, no orçamento de 2020, apenas 9,3% da despesa localizável no território tem a sua localização efetivamente informada. Essa baixa taxa de regionalização vem sendo a regra desde 2015, quando a prefeitura passou a incluir a informação da classificação territorial na Lei Orçamentária Anual.

Outro estudo da Fundação Tide Setubal ampara a nova proposta com exemplos internacionais de territorialização da despesa pública orientados por indicadores que refletem dimensões de exclusão social. A cidade de Londres conta com mecanismos compensatórios na arrecadação e distribuição de receitas, com os bairros mais ricos realizando repasses de recursos para as regiões mais pobres da cidade por meio de um cálculo bastante complexo, que busca apurar as demandas de cada região por políticas públicas, de modo a produzir um efeito redistributivo.

Sobre a Fundação Tide Setubal (www.fundacaotidesetubal.org.br): organização não governamental, de origem familiar, criada em 2006, que fomenta iniciativas promotoras da justiça social e do desenvolvimento sustentável de periferias urbanas e que contribuam para enfrentar desigualdades socioespaciais das grandes cidades, em articulação com sociedade civil, instituições de pesquisa, Estado e mercado.

Sobre a Rede Nossa São Paulo (www.nossasaopaulo.org.br): organização da sociedade civil que mobiliza diversos segmentos da sociedade para, em parceria com instituições públicas e privadas, construir e se comprometer com uma agenda e um conjunto de metas, articular e promover ações, visando a uma cidade de São Paulo justa, democrática e sustentável. Apartidária, tem a atuação pautada pelo combate à desigualdade, pela promoção dos direitos humanos, pela participação e controle social, e pela transparência e respeito ao meio ambiente.