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FAVC - Projeto de pesquisadora da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo investiga benefícios da Ayahuasca para tratamento de Parkinson

not 24 06 2022 1

Com foco na melhoria dos sintomas não motores da doença, projeto que é coordenado pela professora Dra. Ariadiny Caetano recebeu financiamento de R$ 300 mil da FAPESP

Um projeto de pesquisa que será desenvolvido pela Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo (FCMSCSP), vai investigar os benefícios do extrato da Banisteriopsis caapi, composto usado para a preparação da Ayahuasca, no tratamento da doença de Parkinson, principalmente a sua efetividade na redução dos sintomas não motores da doença como a depressão, alteração de sono e memória. O estudo será coordenado pela professora Dra. Ariadiny Caetano, do Departamento de Ciências Fisiológicas da FCMSCSP, e conta com o financiamento da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP).

Em sua linha de pesquisa, a professora Ariadiny avalia as alterações neuroquímicas e estruturais causadas pelo Parkinson, que é a segunda doença neurodegenerativa com maior prevalência no mundo, ficando atrás somente da doença de Alzheimer. A pesquisa pretende investigar qual o efeito deste composto no modelo celular que mimetiza o Parkinson, buscando entender qual seria a influência na progressão ou na prevenção da doença.

O modelo celular escolhido apresenta a superexpressão da alfa-sinucleina proteína encontrada nos neurônios, geralmente neurônios pré-sinápticos, que, no Parkinson, forma agregados proteicos levando a formação de corpos de Lewy — outra característica patológica da doença — além de apresentar todo o maquinário que envolve a produção do neurotransmissor dopamina, o qual está diminuído na Doença de Parkinson por conta da morte dos neurônios que o produz (neurônios dopaminérgicos). A falta desse neurotransmissor faz com que os pacientes apresentem sintomas motores, como por exemplo o tremor em repouso.

Segunda fase do estudo investigará os benefícios do chá em modelos animais

Numa segunda fase, o mesmo estudo será feito em modelos animais, que, após terem a indução da doença, com o uso de uma toxina conhecida como 6-hidroxi-dopamina (6-OHDA), também serão tratados com o extrato da B. caapi por cerca de um mês. “Acreditamos que se tratarmos os animais, eles podem apresentar melhora cognitiva ou pelo menos terem os déficits cognitivos do Parkinson estabilizados. Se isso se confirmar, poderemos avançar para a pesquisa translacional”, prevê Ariadiny. “Se os resultados forem importantes — vamos supor que a gente perceba uma melhora em alguns dos sintomas não motores — podemos partir para a identificação de qual ou quais compostos do extrato está causando esta melhora, para quem sabe, no futuro, ter o desenvolvimento de um novo fármaco que seria produzido com um composto da nossa flora, o que poderia facilitar a sua produção.”

Parkinson e Alzheimer afetam de modo diferente o organismo. O Alzheimer provoca a perda cognitiva, fazendo com que o paciente apresente perda de memória, principalmente da memória recente. Já na Doença de Parkinson, os sintomas característicos são a presença de alterações motoras, como o tremor em repouso, bradicinesia (dificuldade em realizar movimentos voluntários e lentificação de reflexos e movimentos do corpo), rigidez muscular entre outros, com o passar dos anos estes sintomas impactam a autonomia do paciente de forma significativa. Além dos sintomas motores, o paciente também apresenta os sintomas não motores, que são aqueles que não interferem na realização do movimento; estes são chamados de sintomas pré-clínicos, como a depressão, alteração do funcionamento do intestino, alteração do sono, entre outros.

A característica da doença ser diagnosticada somente após a apresentação de sintomas motores é um dos principais motivos que dificulta o tratamento precoce de Parkinson. “O paciente começa a desconfiar quando começam a surgir os tremores, isso geralmente entre 50 ou 60 anos de idade. Somente aí que ele vai procurar o atendimento”, destaca a pesquisadora. Além disso, muitos estudos mostram que os sintomas pré-clínicos podem surgir até mesmo décadas antes da aparição dos sintomas motores da doença, “O paciente não tem como fazer uma associação e não tem como saber se a depressão, um sintoma não motor, que teve no passado era um sintoma inicial do Parkinson. Ainda não temos como fazer essa correlação efetiva, embora conheçamos estes sintomas.”

Embora os sintomas não motores — depressão, problemas com o sono e de memória, funcionamento do intestino, etc — não influenciem nos sintomas motores, eles podem agravar a condição clínica e a autonomia do paciente e de seu cuidador, trazendo mais sofrimento a alguém que já tem dificuldade de caminhar, por exemplo.

A Ayahuasca é feita com a combinação do cipó da Banisteriopsis caapi com o arbusto da Psychotria viridis

Usualmente, o chá é produzido pela combinação do cipó Banisteriopsis caapi e do arbusto Psychotria viridis, contudo, em algumas culturas, outras plantas podem ser adicionadas à mistura. Na literatura existem poucos estudos que avaliam os efeitos do chá e de seus componentes isolados em doenças neurodegenerativas como o Parkinson. “Vamos estudar, além do chá, e em um projeto futuro, os componentes isolados da ayahuasca para termos certeza se eles apresentam algum efeito relevante ou se precisam estar todos juntos.”

Os estudos disponíveis oferecem dados apenas de pesquisas baseadas em modelo celular, que incluem outras características moleculares da doença, ou resultados em pesquisa com animais, avaliando a interação da bebida com ansiedade e depressão. “A literatura mostra o desenvolvimento de estudos clínicos que avaliam os benefícios do uso da ayahuasca no tratamento de pacientes com depressão, e pessoas que fazem o uso de álcool e drogas, por exemplo”, afirma. “Contudo, a relação direta do chá com a doença como um todo ainda não foi estudada.”

A B. caapi é a planta que fornece os alcalóides mais importantes, que são as beta-carbolinas: harmina, tetrahidroharmina (THH) e harmalina, foco do estudo nesse momento. Já o alcalóide NN-dimetiltriptamina (DMT), presente na Psychotria viridis e que é proibido no Brasil, não será alvo da pesquisa neste momento.

FAPESP garantiu financiamento de R$ 300 mil ao projeto

O projeto receberá R$ 300 mil da FAPESP, que serão utilizados para a compra de equipamentos permanentes e material de consumo. Entre a submissão do projeto, em março de 2021, até a sua aprovação, que ocorreu no final do primeiro trimestre deste ano, alguns outros projetos relacionados que auxiliarão na pesquisa foram inscritos e aprovados (Número do Processo FAPESP: 2021/06490-6), entre eles o que investigará os “Efeitos do tratamento com o extrato da B. caapi na modulação do aprendizado emocional em animais com a lesão seletiva do Locus coeruleus”, do aluno Santhiago Calvelo Graça, que está cursando o 4º ano de Medicina.

Além do projeto de Santhiago, Isabella Bacci Busteli, que cursa o mestrado em Ciências da Saúde na FCMSCSP, obteve aprovação (Número do Processo FAPESP: 2019/26463-3) do projeto “Avaliação das alterações estruturais e neuroquímicas causadas pela lesão seletiva do Locus coeruleus no modelo de alterações não motoras da doença de Parkinson.”

Professoras doutoras Alessandra Linardi e Roberta Yamaguchi, também da FCMSCSP, participam do projeto

O projeto conta com a participação das professoras da Faculdade Médicas da Santa Casa de São Paulo Alessandra Linardi e Roberta Yamaguchi. Alessandra é professora adjunta da Faculdade e colaboradora na Universidade Estadual de Campinas. Atualmente, trabalha na área de interações medicamentosas, uso racional de medicamentos, farmacovigilância e metabolismo hepático e ayahuasca. Possui mestrado (1999), doutorado (2004) e pós-doutorado (2008) em Farmacologia pela Universidade Estadual de Campinas. Já atuou na área cardiovascular e renal com ênfase em modelos de hipertensão e peçonha botrópica.

Já Roberta Yamaguchi é professora assistente de Farmacologia no Departamento de Ciências Fisiológicas da FCMSCSP, onde desenvolve pesquisa relacionada à área de Terapia Gênica e Celular via hidrogel de alginato para doenças do sistema osteomuscular. Estuda a cinética viral do SARS-CoV-2 e terapia para COVID19. Possui graduação em Ciências Biológicas — Modalidade Médica — pela Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP), com habilitação em Biologia Molecular. É mestre e doutora em Ciências pelo programa de pós-graduação em Biologia Molecular da UNIFESP. Tem pós-doutorado na área de Biomateriais na University of California, Biomedical Engineering Department, Davis, Califórnia, Estados Unidos. Pós-doutorado no Departamento de Farmacologia e Bioquímica da UNIFESP.

Fonte: Fundação Arnaldo Vieira de Carvalho