Notícias das Associadas

FUNDAÇÃO TIDE SETUBAL - Você sabe como funciona a Lei Rouanet?

not 03 10 2025 8
Foto: Rovena Rosa/Agência Brasil

A legislação para incentivo à cultura é alvo de mentiras recorrentes; confira como funciona a Lei Rouanet para fugir de desinformação

Precisamos começar este texto com a pergunta-título: você sabe como funciona a Lei Rouanet? É bem provável que você já tenha recebido conteúdos enganosos ou mentirosos sobre a legislação.

De tempos em tempos, peças de desinformação sobre a lei, em particular sobre o seu uso para cooptar politicamente artistas de segmentos diversos, impactam quantidade massiva de pessoas por meio de veiculação nas redes sociais e disseminação em aplicativos de mensagens instantâneas.

Não por acaso, mentiras sobre como funciona a Lei Rouanet são recorrentes quando se fala em firehosing – ou seja, método de veiculação de mentiras de modo extremamente rápido, intenso e por diversos canais. Nesse sentido, grande parte desse grande fluxo de mentiras, que remete à dinâmica de uma mangueira de incêndio – daí vem o termo firehosing -, é consequência do desconhecimento sobre a legislação.

É assim como funciona a Lei Rouanet

A Lei Rouanet, que é o nome pelo qual se conhece a Lei Federal de Incentivo à Cultura, prevê o repasse de verba a projetos culturais por meio de renúncia fiscal. Desse modo, ao contrário do que se repassa por desconhecimento ou intenção de confundir o debate público, o Governo Federal não “dá” dinheiro a artistas.

Assim sendo, vamos compreender como funciona a Lei Rouaneto passo a passo está disponível no site do Ministério da Cultura (MinC). Em primeiro lugar, artistas, produtores ou instituições culturais submetem ao MinC propostas de projetos que poderão ou não receber patrocínio. Após análise do corpo técnico do MinC, os proponentes poderão – ou não – ser autorizados a captar recursos junto a apoiadores, que poderão ser pessoas Física ou Jurídica. E, desse modo, quem optar por apoiar poderá abater do Imposto de Renda o valor que tais projetos receberam.

Além disso, o Ministério da Cultura acompanha a execução do projeto para assegurar que não haja desvio na destinação da verba que a iniciativa captou. Além disso, as e os proponentes deverão prestar contas, após a realização do projeto cultural, sobre todas as etapas que executaram. Ou seja, isso diz respeito à destinação dos recursos, quais foram os objetivos e resultados, quantas pessoas foram impactadas pelo projeto e assim por diante. É necessário até mesmo apresentar as notas fiscais de todos os gastos para comprovar o bom andamento de cada iniciativa.

Após você saber sobre como funciona a Lei Rouanet, vamos a outro ponto de atenção nesse contexto: aonde vão os recursos provenientes da legislação.

Sobre destinação e seleção

Segundo a pesquisa Lei Rouanet e a Periferia – Um olhar estratégico para o orçamento da cultura e o investimento social privado e do Observatório Ibira 30, a Lei Rouanet precisa ter alcance maior nas periferias e chegar a mais coletivos culturais atuantes nesses mesmos territórios. Logo, o que também está em jogo é o apoio a organizações e lideranças de tais espaços.

Com realização da Associação Cultural Recreativa Esportiva Bloco do Beco e do Observatório Ibira 30 – e apoio da Fundação Tide Setubal -, o estudo analisou o alcance da lei na capital paulista, a partir dos endereços dos CNPJs proponentes, a distribuição em São Paulo do valor captado por meio da Lei Rouanet entre 2014 e 2023. Para se ter uma ideia, quase 90% do montante oriundo dessa modalidade concentrou-se, segundo o levantamento, em “distritos centrais, de alta renda, com infraestrutura consolidada e redes de apoio empresarial bem estruturadas”.

Desse modo, essa região concentrou R$ 5,25 bilhões durante esse período. E, ao contar com 17,21% da população de São Paulo, totalizou R$ 2.660 per capita. Já a área composta pelas periferias da capital paulista obteve R$ 83 milhões via captação nesse mesmo período, resultando em R$ 14 per capita. A concentração populacional é, vale dizer, de 50,67%.

Caminhos pela equidade

Para Allan Anjos Dantas, coordenador da realização do estudo, é enfático: é necessário “ampliar a Lei Rouanet e torná-la ainda mais robusta e equitativa.”

Nesse sentido, o coordenador do estudo considera que o principal problema na destinação geográfica de recursos é sobre critérios que empresas usam para selecionar iniciativas. Ou seja, como elas realizam esse processo livremente, a tendência é apoiar projetos que tenham atuação em áreas centrais – e com grande projeção midiática. E isso acontece em detrimento do apoio a iniciativas atuantes nas periferias.

Desse modo, Allan fala sobre um dos motivos para tamanha disparidade. “Quando se discute justiça territorial e de distribuição de renda, que são pautas super em alta, estamos, antes de qualquer coisa, discutindo justamente isso. Óbvio que, para a perspectiva da empresa, e muitas vezes da perspectiva de publicidade dela, faz mais sentido direcionar esse aporte para outros grandes equipamentos.”

Por fim, ele faz a seguinte reflexão. “Quando se pensa em justiça territorial, distribuição de recurso equitativa e no papel do governo no meio disso tudo, essa relação com as leis de incentivo fica realmente muito complexa.”


Saiba mais

Finalmente, confira na íntegra a entrevista que Allan Anjos Dantas concedeu à Fundação Tide Setubal sobre o estudo.

Texto: Amauri Eugênio Jr.

Fonte: Fundação Tide Setubal