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Desafios e oportunidades do uso da Inteligência Artificial no Terceiro Setor são debatidos no 16º Encontro Paulista de Fundações

16º Encontro Paulista de Fundações

A 16ª edição do Encontro Paulista de Fundações, realizada em 5 de novembro, no Centro de Convenções da FAAP (Fundação Armando Alvares Penteado), em São Paulo, teve como tema central a Inteligência Artificial e suas oportunidades para o Terceiro Setor. O evento, organizado pela APF (Associação Paulista de Fundações), contou com a presença de 220 participantes presenciais, além de público online que acompanhou a transmissão ao vivo pelo canal do YouTube da FAAP, após inscrição.

A qualidade das palestras e debates, abordando desde os desafios enfrentados pelas fundações até as oportunidades trazidas pela tecnologia, proporcionou aos participantes uma visão aprofundada sobre como a Inteligência Artificial pode transformar o trabalho das fundações, apresentando novas ferramentas para melhorar a gestão, ampliar o impacto social e promover a sustentabilidade das instituições.


Abertura do evento

Dora Silvia Cunha Bueno, presidente da Associação Paulista de Fundações (APF), abriu o evento ressaltando o papel essencial das fundações para a sociedade e o compromisso da APF em defender seus interesses. Ela destacou que a associação busca fortalecer o setor, promovendo a valorização de seu impacto nas áreas de Educação, Saúde, Cultura, Meio Ambiente, Assistência Social e Pesquisa e Tecnologia. Dora também apontou que o evento proporciona um espaço vital para discutir as oportunidades e os desafios da Inteligência Artificial no Terceiro Setor, exigindo inovações corajosas e criativas. “A tecnologia apoia a captação de recursos, melhora o atendimento e amplia a transparência, mas traz desafios que exigem coragem e inovação,” afirmou.

Luis Sobral, CEO da FAAP e um dos convidados para a abertura, destacou em seu discurso o papel histórico da instituição e sua missão de se atualizar continuamente ao longo dos 77 anos de existência. “A FAAP nasceu do desejo de Armando Alvares Penteado em criar um espaço de arte e educação, e hoje, expandimos nossa missão para a formação de profissionais e cidadãos em várias áreas do conhecimento,” afirmou. Sobral ressaltou, ainda, o compromisso com o desenvolvimento da criatividade e com a responsabilidade ética na formação acadêmica, especialmente no contexto da evolução tecnológica e da inteligência artificial. “É nosso dever refletir sobre o conhecimento que transmitimos e assegurar que a tecnologia agregue valor à sociedade”.

O CEO também enfatizou a importância de formar cidadãos preparados para enfrentar os desafios globais, com ou sem tecnologia. “Queremos que nossa escola seja referência em negócios criativos e na criatividade aplicada aos negócios, pois acreditamos que a criatividade humana é insubstituível”. Por fim, ele reforçou a visão da FAAP de construir um futuro com mais oportunidades, promovendo a empregabilidade e a geração de renda, elementos centrais para o desenvolvimento sustentável do Brasil e do mundo.

Flávia Cristina Merlini, promotora de Justiça e Curadoria de Fundações do Ministério Público de São Paulo, com mais de duas décadas de experiência, também compartilhou, na abertura do evento, sua trajetória e os desafios atuais no Ministério Público, especialmente na Promotoria de Fundações. Desde 2023, quando assumiu a função em São Paulo, Flávia mergulhou no universo das fundações, onde cada organização demanda um olhar singular, conforme destacou. “Cada fundação é um universo particular, exigindo uma abordagem própria, não dá para generalizar”, disse.

Flávia destacou a recente Resolução 300, editada em setembro de 2024 e que orienta as relações entre o Ministério Público e as fundações, estabelecendo diretrizes e prazos claros para a prestação de contas e análise de documentos. “Essa resolução trouxe um norte, impondo prazos que agilizam nosso trabalho e reforçam a credibilidade do setor”, afirmou, mencionando a prática de limitar análises a cinco anos de registros e a aprovação automática de contas após três anos sem resposta do MP.

No advento da tecnologia, a promotora ressaltou a importância da inteligência artificial como uma ferramenta de apoio em processos repetitivos e no cruzamento de dados para agilizar a fiscalização. “A IA poderia auxiliar muito, especialmente na análise de estatutos e prestação de contas, evitando erros e desburocratizando o trabalho”, concluiu Flávia, sublinhando o potencial das inovações tecnológicas para fortalecer o terceiro setor.


Palestras e Debates


O start na palestra principal do evento se deu com Alexandre Del Rey, conselheiro e fundador da I2AI e sócio da Engrama, que explanou a respeito da transformação acelerada que a inteligência artificial está trazendo aos negócios e à sociedade. “Estamos vivendo uma revolução tecnológica, mas essa mudança vem ocorrendo silenciosamente há décadas. A IA tem evoluído, desde os primeiros modelos simbólicos e lógicos até o uso atual de redes neurais, que imitam o funcionamento do cérebro humano”, explicou. De acordo com Del Rey, os modelos modernos de IA, como os grandes modelos de linguagem, foram treinados a partir de um vasto acervo de conhecimento humano, que inclui desde livros até códigos de programação. “Com trilhões de parâmetros, esses modelos são como minicérebros, capazes de entender e gerar conteúdo, identificar padrões e simular a realidade, criando novas possibilidades de aplicação”, falou.

Del Rey enfatizou as oportunidades que a IA oferece para otimizar processos e aumentar a eficiência, como na criação de documentos automatizados e análise de contratos. “Hoje, ferramentas acessíveis permitem comparar, gerar e organizar informações com rapidez, aumentando o desempenho e a capacidade de empresas e fundações”, comentou. Ele reforçou, porém, que a efetividade depende das escolhas humanas: “O uso da IA deve ser intencional e focado em agregar valor à organização. A tecnologia está aqui, mas cabe a nós decidirmos como aplicá-la para resolver problemas e aprimorar experiências”.

Para ele, o maior risco está em não inovar: “Quando deixamos de usar o que há de melhor em ferramentas, perdemos oportunidades significativas de crescimento e melhoria para a sociedade. O avanço da IA, se bem utilizado, pode nos levar a um novo patamar de produtividade e impacto social”.

Logo em seguida, Paulo Câmara, CDO para América Latina da CI&T e membro do Conselho do Instituto do Ser Mais, destacou a trajetória da digitalização e o impacto crescente da IA nas empresas. “Desde o início da década de 2010, com o advento dos smartphones e redes sociais, as empresas passaram a transformar suas operações para atender a um consumidor cada vez mais digital”, apontou. Segundo ele, essa tendência se acelerou durante a pandemia, obrigando as empresas a investirem em canais digitais e a reformularem a forma como atendem seus clientes.

Hoje, Câmara observa que o foco mudou para a busca de eficiência, com as organizações adotando IA generativa para elevar produtividade e otimizar processos. “Chamamos essa fase de hiperdigital, onde a IA está cada vez mais integrada ao cotidiano corporativo, desde assistentes virtuais que facilitam interações com clientes até soluções internas que aumentam a eficiência das equipes”, explicou. Ele também vê um futuro próximo em que novos modelos de negócios surgirão com a evolução dessa tecnologia, assim como foi com Uber e iFood, viabilizados pelo celular.

Câmara alertou sobre os desafios éticos e de governança que acompanham o avanço da IA. “Toda IA possui vieses e, sem transparência, pode gerar discriminações involuntárias. Além disso, temos a responsabilidade de capacitar todos os colaboradores, do estagiário ao CEO, a usar essas ferramentas com ética e eficácia”, afirmou. Ele também destacou o papel do Brasil como líder global na adoção da IA generativa, evidenciando a propensão dos brasileiros em se adaptarem rapidamente a novas tecnologias.

Em participação por videoconferência, Everton Cruz, CEO da Mooh Tech, destacou a importância do terceiro setor na promoção de uma regulamentação ética e transparente para a tecnologia no Brasil. “A tecnologia facilita nossas vidas e automatiza processos, mas não é uma panaceia. É preciso uma regulamentação sólida para garantir um futuro ético e seguro, especialmente no contexto de inteligência artificial”, afirmou. Cruz enfatizou que o Brasil já apresenta avanços significativos, especialmente com a LGPD.

Ao abordar a questão dos dados e da segurança digital, Cruz alertou sobre a necessidade de maior transparência no uso de dados sensíveis, como os de saúde pública. “No Brasil, o SUS possui mais de 2 bilhões de registros, um número absurdo frente aos pouco mais de 200 milhões de habitantes, o que indica falhas graves na gestão de dados”, apontou. Ele ressaltou que a inteligência artificial, se mal utilizada, pode ser enviesada e até discriminatória, especialmente se não houver uma regulamentação robusta e ética.

Por fim, Cruz elogiou o papel do terceiro setor como protagonista na construção de uma sociedade mais justa e equitativa. “O terceiro setor é o grande ator preocupado com a transparência e com a redução das desigualdades. Cabe a ele incentivar uma regulamentação que seja boa não só para nós, mas para as futuras gerações”, concluiu.

Ao final do painel, Angela Alonso, da Alonso, Barretto & Cia. Auditores Independentes, destacou o impacto e os desafios da inteligência artificial no setor contábil e para o futuro das entidades sociais. Em uma abordagem crítica, mas bem-humorada, Angela enfatizou que a IA já faz parte do cotidiano profissional, mencionando que “o Supremo utiliza IA para pesquisas de processos e robôs já imitam o corpo humano”. Ela chamou a atenção para o uso ético dessas tecnologias, lembrando que é preciso “priorizar, testar e manter compliance”.

Além disso, Angela compartilhou sua experiência prática com ferramentas de IA na contabilidade, detalhando o uso de aplicativos para gestão de vendas e controle de estoques, e também o crescente papel dos robôs na auditoria contínua. “Não é uma solução única. Temos uma infinidade de aplicativos, cada um com uma função específica”. Para ela, a chave está em se manter atualizado e explorar as oportunidades de forma responsável.

Angela alertou sobre o risco das “mentiras” que a IA pode gerar, especialmente em casos em que dados são interpretados erroneamente. Reafirmando a importância da capacitação, concluiu que profissionais e entidades devem encarar a tecnologia com curiosidade e precaução, e investir em conhecimento para adotar a IA de forma eficaz e ética.


Casos de Sucesso de Fundações Associadas a APF

Exemplos concretos de bons resultados com a aplicação da IA foram apresentados durante o evento por fundações associadas da APF. Danilo Alves dos Santos, coordenador de Data & Analytics da Fundação Zerrenner, compartilhou sua satisfação com o sucesso das iniciativas da instituição, que opera sob a gestão da Ambev. “A Fundação Zerrenner, além de programas voltados à saúde e à educação, como as escolas de ponta e o auxílio material escolar para colaboradores, promove o bem-estar e a continuidade dos estudos com ações que apoiam diretamente as famílias”, afirmou.

Entre os destaques, ele mencionou o uso de inteligência artificial para otimizar a concessão do auxílio de material escolar para os funcionários da AMBEV. Antes, o processo envolvia análise manual de documentos, levando até dois meses para ser concluído. “Usamos IA para validar comprovantes e extrair dados de maneira precisa, reduzindo o tempo de análise de cinco minutos para apenas três segundos. Em 25 horas, conseguimos finalizar um trabalho que levava meses”, destacou. A tecnologia trouxe precisão e permitiu à equipe focar em tarefas analíticas, eliminando gargalos e melhorando a experiência dos colaboradores.

Já o Dr. Thiago Augusto Massarutto, especialista clínico em inovação na FIDI e radiologista, compartilhou um caso prático de aplicação de inteligência artificial (IA) para otimizar o atendimento médico em um dos hospitais parceiros da fundação. Ele explicou que o objetivo da implementação foi reduzir o tempo de espera e aprimorar a qualidade dos diagnósticos, especialmente em situações de emergência. “O médico, ao solicitar um exame de imagem, conta agora com um apoio adicional da IA, que auxilia na análise de resultados como derrames pleurais, nódulos e até intubações mal posicionadas, diminuindo o tempo de interpretação e, consequentemente, agilizando o atendimento no pronto-socorro”, destacou.

Para garantir a confiabilidade, Dr. Thiago detalhou que a FIDI (Fundação Instituto de Pesquisa e Estudo de Diagnóstico por Imagem) realizou uma validação rigorosa da IA, adaptando-a ao contexto local. “Um dos maiores desafios foi garantir que a IA performasse adequadamente com dados brasileiros, evitando vieses e erros comuns em modelos treinados com informações de outras regiões”, afirmou. Ele também reforçou a importância de anonimizar os dados para assegurar a privacidade do paciente, conforme exigências da LGPD.

O especialista concluiu sua apresentação com uma reflexão sobre o futuro da IA na saúde: “Estamos apenas no começo. A IA é uma ferramenta de apoio, não uma substituição. Há ainda muito a evoluir, especialmente em termos de interoperabilidade, algo essencial para que essa tecnologia realmente beneficie o sistema público de saúde”.

Carla Prates, coordenadora de comunicação da Fundação Julita, compartilhou como a instituição, que atua há mais de 70 anos no Jardim São Luiz, utiliza tecnologias e a inteligência artificial para fortalecer suas práticas de comunicação e desenvolvimento de projetos. Para Carla, a IA tem se mostrado uma “assistente” eficaz, especialmente no apoio à criação de textos e otimização de processos, mas ela ressalta a importância de adaptar a ferramenta à realidade do terceiro setor, sem perder a essência humana do trabalho.

Carla destacou também como personaliza o uso do ChatGPT para que ele reflita o estilo de comunicação da Fundação, evitando tons apelativos. A IA, segundo ela, auxilia na organização e sistematização de ideias, ajudando a tornar propostas mais claras e impactantes, sem comprometer a autenticidade da mensagem.

Para finalizar, Carla ressaltou a importância de uma curadoria cuidadosa ao usar IA, mencionando o potencial de plataformas como Perplexity para buscas e organização de dados complexos. “A IA ajuda a concatenar ideias, mas precisamos lembrar que sabemos mais sobre o nosso território do que ela”, concluiu.


Encerramento

O encerramento do encontro foi marcado pela análise da vice-presidente da APF, Tereza Rachel Coser, que compartilhou suas impressões sobre a importância da educação e governança na era da inteligência artificial. “Foi um encontro rico, onde discutimos como trazer valor prático às nossas instituições usando IA”, afirmou. Ela destacou o desafio de utilizar essas novas tecnologias de forma ética e consciente, lembrando que “somos nós que temos o poder de decisão, a caneta está na nossa mão”.

Coser relembrou pontos levantados pelos palestrantes, como a evolução da IA em fases de produtividade e hiper experiência, e o impacto disruptivo na sociedade. “A inteligência artificial tem o potencial de criar novas oportunidades, mas a governança é crucial para evitar que ela acentue desigualdades”, refletiu, frisando a responsabilidade social das fundações na promoção da educação para preparar o Brasil para essas mudanças.

Para Tereza, o evento presencial também ressaltou o papel humano por trás da tecnologia. “Não estamos na era do ‘computador-centrismo’; somos nós que damos os comandos. A interação entre fundações, governo e setor público é essencial para construir um futuro mais equilibrado”, concluiu.


O evento foi gravado e ficará disponível no Youtube. Você pode acessar clicando aqui. Além disso, você poderá conferir as apresentações dos palestrantes, disponíveis para download.


Vídeo Fotos Slides


O 16º Encontro Paulista de Fundações foi destaque no Jornal da Tarde, da TV Cultura. Assista a reportagem completa aqui.