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FUNDAÇÃO TIDE AZEVEDO SETUBAL - O que é necessário considerar para evitar que pessoas caiam em mentiras online?

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Foto: Pexels / cottonbro studio

É necessário destacar o ponto a seguir: o risco de que pessoas caiam em mentiras online representa, sem sombra de dúvidas, um risco à democracia. De acordo com pesquisa recente do Instituto Locomotiva, 88% das pessoas entrevistadas afirmaram acreditar em algum tipo de fake news. Esse quadro torna-se ainda mais preocupante ao se pensar sobre os status de disseminação de mentiras por meio de eixos temáticos:
  • 63% eram relativas a propostas de campanhas eleitorais;
  • 62% abrangiam políticas públicas;
  • 62% diziam respeito a escândalos envolvendo atores políticos;
  • 57% referiam-se ao contexto econômico;
  • 51%, sobre segurança pública e sistema penitenciário.
O quadro sobre o perigo de que pessoas caiam em mentiras online torna-se ainda mais dramático ao, sem eufemismos, considerar o ataque contra mensageiros para ignorar o teor inverídico de mensagens.

Segundo o Relatório Anual de Violência Contra Jornalistas e Liberdade de Imprensa no Brasil, da Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj), ainda que o nível de ataques contra profissionais de imprensa tenham caído para 181 casos em 2023 ante a 376 registros em 2022, o cerceamento à liberdade de imprensa a por meio de ações judiciais e/ou inquéritos policiais apresentou salto de 92,31% entre 2022 e 2023 – ou seja, houve aumento de 13 para 25 casos com esse perfil.

Nesse sentido, Patrícia Blanco, presidente executiva do Instituto Palavra Aberta, retrata como os sucessivos ataques à imprensa representam veemente risco à democracia. “Sem uma imprensa forte, independente, autônoma e isenta, dentro dos limites do próprio jornalismo, não conseguiremos sustentar sistemas democráticos. Pôde-se ver nos últimos anos uma campanha maciça para descredibilizar veículos de comunicação e a imprensa como um todo. O jornalista passou a ser visto como um inimigo, ou seja, quem pensa diferente de mim e traz informações que me afetam ou não me agradam.”

Engenharia do caos informacional

O risco de que cada vez mais pessoas caiam em mentiras online está, inegavelmente, relacionado à instrumentalização do debate sobre a liberdade de expressão irrestrita. Ao mesmo tempo em que atores políticos com perspectiva extremista recorrem ao conceito de liberdade de expressão para, entre outras coisas, fazer declarações de cunho extremista, disseminar discurso de ódio e mentiras, esses mesmos agentes não se furtam a silenciar vozes que apresentam contrapontos às suas teorias da conspiração.

Logo, o debate sobre a adoção de medidas para evitar que pessoas caiam em mentiras online passa pela regulação da atividade das big techs. Em que pese o encerramento da tramitação do Projeto de Lei (PL) 2630, propor a criação de marcos regulatórios para a atuação de gigantes tecnológicas não se sobreporem a premissas constitucionais.

“Algumas [big techs] batem de frente com o Estado, ameaçam retirar certas funcionalidades dos seus serviços e das suas plataformas para evitar que uma regulação seja concretizada e efetivada. Essas questões demonstram a necessidade de se repensar a relação entre Estados e plataformas – e entre plataformas e usuários. Essa tende a ser uma relação bem assimétrica e esses episódios demonstram isso mais uma vez”, pondera João Archegas, pesquisador sênior de Direito e Tecnologia no Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio de Janeiro (ITS Rio).

Nesse sentido, Patrícia Blanco destaca que a liberdade de expressão compreende apenas o que um determinado grupo quer propagar. “Quando se fala de liberdade de expressão, ela é muito mais do que ser a liberdade de poder falar: é também o direito do outro falar, inclusive o que não gostamos. Esse é o ponto sobre a liberdade de expressão do qual às vezes nos esquecemos: achamos ser apenas nossa e para falarmos o que quisermos.”

Caminhos possíveis

Consequentemente, a adoção de medidas para evitar que pessoas caiam em mentiras online passa, sem dúvida, pela formação delas. O relatório Facts Not Fakes: Tackling Disinformation, Strengthening Information Integrity, da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), aborda dimensões diversas no combate à desinformação.

Além da regulação da atividade das big techs, o documento apresenta também ações implementadas por países diversos, como França, Finlândia e Estônia, no combate à desinformação. Além da preparação para docentes e estudantes usarem materiais midiáticos, alguns exemplos citados no documento passam por aspectos básicos, como diferenciar informações de opiniões; e avaliar criticamente casos em que de fato possa haver manipulação midiática, ao reconhecer materiais de propaganda, desinformação e criação de mitos.

Ainda, tais exemplos abrangem recomendações para a atuação estatal, no que diz respeito à participação por meio da disseminação de informações de interesse público. Essa mesma lógica abrange também investimentos em estratégias e iniciativas para combater a desinformação. Idem em guiar-se por premissas relacionadas à transparência e a desenvolver ações para evitar que falsas narrativas e campanhas de desinformação ganhem força e tração.

Para João Archegas, alinhar interesses privados de empresas de tecnologia com os da esfera pública trata-se de um grande desafio – porém, trata-se de algo superimportante. “Isso é necessário para proteção do Estado democrático de direito, promoção de valores e princípios constitucionais. Precisamos estabelecer uma relação de corregulação entre essas diferentes esferas.”

Texto: Amauri Eugênio Jr.

Fonte: Fundação Tide Azevedo Setubal